III Fórum da Internet no Brasil

De 03 a 05 de setembro aconteceu o III Fórum da Internet no Brasil em Belém/PA com organização é feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. O objetivo do evento é “reunir participantes dos setores governamentais, empresariais, acadêmicos, das organizações da sociedade civil, técnicos, estudantes e todos os interessados e envolvidos nos debates e temas a respeito da Internet no Brasil e no mundo. O Fórum é portanto um espaço aberto e um convite para debatermos os desafios atuais e futuros da Internet.” Este Fórum também funciona como a “Reunião Brasileira Preparatória para o IGF, agregando as reflexões do Fórum como importantes contribuições multilaterais brasileiras para o Fórum Mundial de Governança da Internet.”

Sucintamente, a programação do III Fórum foi a seguinte:
dia 03/set (manhã): abertura
dia 03/set (tarde): trilhas
dia 04/set (manhã): desconferências e atividades autogestionárias
dia 04/set (tarde): seminário WSIS+10
dia 05/set (manhã): assembleia e encerramento

A mesa de abertura contou com a participação de seis pessoas, das quais apenas uma mulher que viera como representante do presidente da PRODEPA. As demais pessoas, homens, eram os próprios Conselheiros ou Secretário Executivo do CGI.br.

As trilhas foram as seguintes:

trilha #1 - Universalidade, Acessibilidade e Diversidade
Veridiana Alimonti (Conselheira representante terceiro setor - CGI.br) - coordenação
Setor governamental - Artur Coimbra (Departamento de Banda Larga - Minicom)
Setor empresarial – Eduardo Neger (ABRANET)
Academia - Rafael Evangelista (Unicamp)
Terceiro Setor - Paulo Lima (Saúde Alegria-PA)

trilha #2 - Inovação Tecnológica e Modelos de Negócios na Internet
Lisandro Granville (Conselheiro representante da academia - CGI.br) - coordenação
Setor governamental - José Henrique Dieguez (MCTI/Sepin)
Setor empresarial - Virgínia Duarte (SOFTEX)
Academia - Nívio Ziviani (UFMG)
Terceiro Setor - Vicente Aguiar (COLIVRE)

trilha #3 - Cultura, Educação e Direitos Autorais na Internet
Percival Henriques de Souza Neto (Conselheiro representante do terceiro setor - CGI.br) - coordenação
Setor governamental - Marcos Souza (Diretoria de Direitos Intelectuais - Minc)
Setor empresarial - Carol Conway (Abranet)
Academia - Nelson Pretto (UFBA)
Terceiro Setor – Oona Castro (consultora da Wikimedia Foundation no Brasil)

trilha #4 - Privacidade, Inimputabilidade da Rede e Liberdade de Expressão
Hartmut Glaser (Secretário Executivo - CGI.br) - coordenação
Setor governamental - Danilo Doneda (Ministério da Justiça)
Setor empresarial - Vitor Morais (ABRAREC - Associação Bras. das Relações Empresa Cliente)
Academia - Carlos Affonso (ITS, Rio)
Terceiro Setor - Sérgio Amadeu (Conselheiro representante do terceiro setor - CGI.br)

trilha #5 - Neutralidade de Rede
Eduardo Parajo (Conselheiro representante do setor empresarial – CGI.br) - coordenação
Setor governamental - Daniel Brandão Cavalcanti (Anatel)
Demi Getschko (Conselheiro de notório saber - CGI.br/Diretor presidente NIC.br)
Academia - Nelson Simões (RNP)
Terceiro Setor - Carlos Afonso (Conselheiro representante do terceiro setor - CGI.br)

Bem, foi a primeira vez que participei do Fórum da Internet no Brasil. Confesso que fiquei meio perdida na dinâmica das trilhas o que imagino ser natural para principiantes. A trilha #5, sobre neutralidade da rede fora uma ótima aula, embora eu esperasse mais emoção e tensão dada a presença da Anatel na mesa. Acho que aqui cabe um parênteses extremamente breve: neutralidade da rede é um princípio que busca garantir o livre acesso a qualquer tipo de informação na rede. Na discussão da trilha ficou evidente que, dentro deste tema, o elo mais frágil é o acesso e o grupo mais vulnerável é o de pequenos usuários. Além do aspecto democrático nato que a neutralidade da rede carrega consigo, ela aumenta a confiança e nivela o jogo entre os diversos “players” da Internet. Hum... para entender a desigualdade entre os “players” pense que você, pessoa comum, é o player 1, que o Mark Zuckenberg (dono do Facebook) é o player 2, que o governo brasileiro é o player 3 e que uma grande empresa de telecomunicações é o player 4. Agora deve ter ficado mais claro que há interesses bastante diversos e distribuição de poder bastante desigual também, não?

Mas a estrutura da internet no Brasil não favorece a neutralidade e a disputa pelo controle das/nas redes ainda está posta – nela os conglomerados de telecomunicações estão ganhando vantagens, muito embora já em 1995 se entendia (em projeto de lei) que Internet não era telecomunicação, era algo que corria sobre a infra-estrutura das telecomunicações. Dado esse contexto e a amarração disto com o Marco Civil da Internet eu esperava perguntas/diálogos mais incisivos. Vale lembrar que o Marco Civil da Internet contou com colaboração da sociedade civil em sua formulação mas foi alterado nos bastidores e ainda não aprovado pelo Congresso. Enfim, faço aqui minha meia culpa por não ter levantado a mão e ter ido lá questionar certos pontos. Faço também a observação de que de todas inscrições para falas/perguntas (~15) somente duas mulheres pegaram no microfone.

Para termos uma ideia do quanto o debate sobre internet é importante (ou deveria sê-lo) no Brasil, nosso país é um dos sete maiores mercados de tecnologia da informação e o Facebook tem cerca de 65 milhões de usuários(as) brasileiros(as). Assim é fundamental a discussão de pautas como inclusão digital, universalização da banda larga (para além de um Plano Nacional de Banda Larga duvidoso), garantia da neutralidade da rede e aprovação de um marco civil da internet construído de forma democrática. Numa feliz escolha “construindo pontes” foi o mote deste ano, mas não tão feliz podemos perceber que foram as escolhas das mesas. Considerando todos(as) componentes das mesas temos ao todo 31 membros incluindo coordenação/mediação; destes, somente 5 eram do sexo feminino o que dá cerca de 16% - cifra bastante distante da quantidade de internautas navegando na rede, ~53% de acordo com dados recentemente divulgados pelo Google. Diante disso e de outras conversas de corredor aqui e ali, de mãos não levantadas por mim e por outras é que achei por bem chamar uma desconferência, assim mesmo, de última hora, para o dia 04/set.

O dia 04 de setembro foi o dia das desconferências: a de Software Livre (SL), a do Barco Hacker e a de Gênero, Internet e Tecnologia. A desconferência de SL foi muito interessante e contou com exposição de iniciativas / experiências como do SERPRO/PA, da UFPA e da Open Tapajós – recomendo que visitem os links e conheçam! Na sequência contamos com a desconferência do Barco Hacker que, assim como o Ônibus Hacker, se propõe a difundir a cultura hacker pelo país. E antes que pensem que hacker são cyber-criminosos, sugiro que pesquisem um pouco... aqui, por exemplo. Depois de tanta discussão que amplia horizontes, veio a desconferência de Gênero, Internet e Tecnologia.

A desconferência de Gênero, Internet e Tecnologia começou com uma roda de apresentação em que as pessoas diziam seu nome, de onde eram e porque se interessaram pela desconferência. Daí fomos descobrindo demandas vindas de pessoas de 12 diferentes estados do Brasil e que tinham em comum o incômodo com a baixa participação feminina nos espaços decisórios relativos à internet (como neste fórum, como nas mesas oficiais). Houve relatos recorrentes de baixa participação feminina como haver 3 mulheres entre 40 estudantes em salas de aula de temas relacionados à informática ou relativos à evasão feminina nesses espaços. Outro ponto levantado, considerando que as mulheres são as principais responsáveis pelos primeiros anos da educação infantil, como as professoras veem o ingresso da tecnologia nas escolas? Essa discussão que seria pertinente à trilha #3 ficara em último plano e o foco deitou-se sobre a questão dos direitos autorais. Houve consenso sobre a necessidade de paridade nas representações e, se por um lado também constatou-se um receio em relação à proposição/adoção de cotas, por outro lado, não se conseguiu apontar outro caminho (cujo horizonte temporal coubesse numa geração) para viabilizar essa representação da mulher nos escalões mais altos.

Mais de um relato apontou para a seguinte situação: inscrições muito similares foram feitas por colegas/sócios(as), um homem e uma mulher; em ambos casos relatados a aprovação da bolsa (nos fóruns anteriores) foi dada aos homens e negada às mulheres. Dessas que tiveram seu pedido negado, uma participa este ano por ser de Belém, outra não se inscreveu novamente para pleitear bolsa. Na roda foi dito que, ao menos este ano, o fato de ser mulher, colaborou positivamente para conseguir a bolsa-auxílio para ir ao Fórum. Então, das duas uma: ou ainda pesa muito pouco o fato de ser mulher no processo seletivo, ou muito poucas mulheres se inscrevem para pedir a bolsa. Vou pedir os números sobre participação, inscrição de pedidos de bolsa e de concessão de bolsa mas arrisco dizer que há menos mulheres que pedem bolsas, isso porque há menos mulheres trabalhando nas áreas de TI e de governança da Internet, a despeito de sua enorme participação como usuárias.

Ademais, aspectos mais amplos vieram à tona como a existência de jornada de trabalho tripla para as mulheres, que são também menos privilegiadas economicamente e mais assediadas – no mundo real e no virtual também. Afinal, uma internet realmente livre é aquela que garanta cidadania plena, que discuta e promova liberdade com quem sente que não desfruta devidamente dela. Assim, não haver nenhuma mulher na trilha #4 que debateu liberdade de expressão é sintomático de um movimento conservador.

Há demandas que não deveriam ser “femininas” caso houvesse mais equilíbrio na divisão das tarefas domésticas e de criação dos(as) filhos(as), mas geralmente esses papeis são vistos como femininos na atualidade e, assim, geram reivindicações expostas pelas mulheres. Como a necessidade de haver espaço nos eventos que comporte pessoas com filhos(as). Uma das integrantes da roda estava lá com o filho, Pedro, que foi fotografado inúmeras vezes e virou xodó do evento, mas que no início foi motivo de sua mãe ser barrada na entrada do evento. Após algumas conversas e esclarecimentos que ela deu (que era bolsista e que já avisara que vinha com filho pequeno) sua entrada foi liberada. No entanto, não havia um local adequado para uma simples troca de fraldas, por exemplo. A pergunta que me martela a cabeça é: se queremos que as pessoas (homens e mulheres) participem, precisamos criar condições para isso. Se queremos que a internet seja realidade na vida das pessoas, precisamos de um PNBL decente, tanto quanto se quisermos que mulheres participem (ou homens assumam mais responsabilidades familiares) da construção de espaços mais democráticos (virtuais inclusos), precisamos ter infra-estrutura que acolha nossas futuras gerações. Essa discussão sobre o acolhimento das futuras gerações e a sobrevivência da nossa espécie deixo para outra oportunidade, outro texto....

Por fim, pessoas que participaram desde o I Fórum apontaram que a questão na não-paridade de gênero é apresentado todo ano, então, não é que a organização não tenha ciência dessa questão, é que parece que não há a menor preocupação com isso. Todas questões levantadas, exceto a questão de poder trazer filhos(as), já incomodaram e foram reportadas nos fóruns anteriores .

Perguntas que deixamos para provocar o olhar:
- quantas mulheres e homens compuseram as mesas?
- quantas mulheres e homens se inscreveram para o Fórum?
- quantas mulheres e homens receberam bolsa para participar do Fórum?
- quantas mulheres e homens intervieram, fizeram falas e perguntas durante o Fórum?
Agora substitua mulheres e homens por negros(as) e brancos(as) e refaça as perguntas acima
- enfim, qual democracia queremos construir na rede?

Perguntas que ficaram como desafios:
- como tecnologia e internet pode combater preconceitos?
- como promover a paridade de gênero nas estruturas?
- como fomentar a organização das políticas públicas voltadas para a equidade de gênero?

Algumas ações propositivas/afirmativas foram levantadas:
- registrar novamente nossas queixas (falta de representação)
- levantar a questão novamente na plenária
- organizar desconferências e atividades autogestionadas que tenham a preocupação com a paridade
- promover oficinas de tecnologia

Sugestões compiladas de iniciativas que abordam tecnologia e gênero na Internet: Lela Coders, Milharal – sistema de Blogs, Mulheres na Tecnologia, RodAda Hacker, Rede Mocoronga, Rede Saravá, ZAFT.

Infelizmente eu precisava estar as 11h30 no aeroporto para pegar meu voo de volta e acabei perdendo a parte da Plenária em que poderíamos falar e fazer intervenções – espero que as pessoas que participaram da desconferência tenham levado os pontos levantados ao conhecimento de mais gente. E, para fechar este relato, deixo registrado aqui minha gratidão a quem estava presente na desconferência de Gênero, Internet e Tecnologia: Lívia (Ônibus Hacker/SP ), Markun (Thacker/SP ), Jul Pagul (Balaio Café/DF), Gleidson (UFRO/RO ), Débora (Thacker/RJ), Mauricio (Partido Pirata/MG ), Paulo (Partido Pirata/MG ), Claudia (CEUMA/MA ), Maria (UFSC/SC), Luis Felipe (Partido Pirata/PA ), Alison (Partido Pirata/PA ) Adriane (coletivo Purequé/PA), Joyce (CDI/SP ), Renata (PUC/SP), Luciano (MEC/DF), Raquel (UFPE/PE), Daniele (AC ), Patricia (cineclubista/PA ), Kamilla (Barco Hacker/PA ), Valessio (militante de SL/BA), Flavio (UFPA/PA ), Paulo (Fora do Eixo/PA), Melina (mestranda/SP), Karine (Fora do Eixo AP) e Vitor (Fora do Eixo/PA) – além da galera que parou timidamente ao redor e acompanhou as discussões.

Tipo de conteúdo: 
Publicidade: 
Público