Silenciamentos

É só uma brincadeira, é só um post no Facebook - será mesmo?
 
Na primeira semana de outubro uma estudante da Escola Politécnica publicou no grupo do Facebook (FB) "Bixos Poli" uma mensagem informando que havia perdido o seu fichário, que possuía um adesivo de coração na capa. Trata-se de  um tipo de publicação nesse grupo do FB, afinal muitas pessoas fazem parte do grupo, o que aumenta a probabilidade de se encontrar algum item perdido. Uma das primeiras respostas que a colega recebeu foi uma cantada. E logo depois vieram as risadas, várias pessoas foram marcadas, e a primeira pergunta que nos ocorreu foi: se fosse um homem que tivesse perdido o seu fichário teria passado por essa situação? É óbvio que a colega não postou no FB a perda do seu fichário porque estava a procura de um par romântico. Então, por quê afinal os homens se sentem confortáveis para simplesmente cantar as mulheres em todos os espaços, independente do que falem ou façam? 
A estudante não pretendia conseguir um par romântico através daquele post, assim como uma mulher pode usar um shorts simplesmente porque está com calor, e não procurando um parceiro. Ao compreender isso, compreende-se também que os direitos iguais reivindicados devem ir para além do estritametne preconizados pela lei, precisa permear o cotidiano e as relações. Fica parecendo que, independente do que uma mulher fale ou faça, sempre é vista como um objeto de conquista, o tempo todo, independente se ela tenha ou não demostrado estar interessada nisso, frequentemente não sendo levada a sério em suas colocações por seus pares. Uma sociedade em que qualquer homem se sinta no direito de cantar uma mulher a qualquer momento e local é uma sociedade machista, pois esse tipo de comportamento implica colocar a mulher, sempre e a qualquer tempo, como objeto passível de conquista. Há mulheres que não se importam com esse papel que lhes é imputado, mas há quem se importe. Quem se importa com um tratamento inadequado pode incomodar-se a tal ponto de não mais querer se manifestar, falar, e até mesmo sair de casa em alguns casos.
 
Logo, num espaço que congrega muitas pessoas, mesmo que não se tenha certeza das intenções da mulher, se houver qualquer dúvida sobre se o que vai dizer é adequado ou não, desrespeitoso ou não, por favor, não faça um ato de coação.
 
Ainda nesse mesmo grupo virtual, uma outra estudante da Escola Politécnica e integrante do PoliGen, incomodada com o rumo da discussão no post do fichário disse serem machistas os comentários com esse teor. Ao serem alertados da conduta - afinal pode ser que os estudantes não tivessem de dado conta de que estavam sendo incovenientes (para dizer o mínimo) - alguns comentários subsequentes bucaram desqualificar a estudante, incomodada, que resolveu se pronunciar, acusando-na de invejosa. Novamente percebe-se a postura machista: não é possível uma mulher incomodar-se com um tratamento conferido à colega, em tom de sororidade, afinal, para uma imensa parcela da sociedade, uma mulher quer necessariamente ser objeto de desejo, o tempo todo. Então, senão o é, obviamente seu descontentamento é por não sê-lo - de acordo com o raciocínio machista, claro. A vontade é mardar beijinho no ombro e sair do grupo, mas há muitas estudantes lá que podem se sentir incomodadas também, mas se calam. Afinal, é vísivel o bulying público que sofre quem se pronuncia expondo quando se sente maltratada.
 
Nesse mesmo grupo "Bixos Poli", mas não só nele, outras colegas já foram silenciadas  e mesmo ridicularizadas antes: foram criados memes com as suas fotos, na tentativa de subjugá-las. Infelizmente, não é a primeira vez que vemos ocorrer silenciamento de mulheres. Outra estudante, também cansada dessas tentativas de silenciamento, fez um post discutindo a falta de respeito às mulheres e silenciamento naquele grupo (com memes, desqualificações pessoais, etc.). Pouco mais de 3 horas após a postagem, o texto da colega foi censurado apagado do grupo. Ainda não sendo exclusividade de um grupo do FB, questionamos se é válido manter essa conduta? É esse o tipo de comportamento de que politécnicos e politécnicas devemos nos orgulhar e incentivar? Como as pessoas que agem assim no FB agirão no seu trabalho, com algum poder em suas mãos?
 
Essas são reflexões que queremos deixar. Essas são provocações que pensamos ser necessárias para construirmos um mundo mais justo, onde todas e todos desfrutem, de fato, de liberdade de expressão e igualdade de direitos.
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